- A ideia da linha evolutiva é tão poderosa que domina as discussões sobre música brasileira - diz Sukman, que lança o livro dia 15, às 19h, na livraria Argumento do Leblon. - Ela tem a força de conceitos marxistas, usados até por não marxistas. Qualquer leitura da MPB passa por ali. Queria outro olhar.
O olhar de Sukman identifica, então, caminhos paralelos. Cada capítulo é dedicado a um deles: o samba, a MPB, a Tropicália; a Jovem Guarda e o brega; o instrumental; a música nordestina; a diversidade das cidades. Cada linha com suas revoluções próprias. Um exemplo é o surgimento de Martinho da Vila, numa linhagem que vem de Candeia e desagua no pagode - uma segunda corrente do samba viria de Paulinho da Viola e sua elegância herdeira da velha guarda. Outro exemplo é "Berimbau", de Baden Powell e Vinicius de Moraes, que instaura, diz ele, a separação entre a bossa e a MPB:
- "Berimbau", como os afro-sambas que viriam depois, reencena a criação da música brasileira. Parte de uma primeira parte modal, africana, e na segunda se torna tonal, acrescido da herança europeia. O afro-samba é tão vanguardista quanto o tropicalismo. E Milton, Edu, Chico, Paulinho e Hermeto são tão modernos quanto Caetano e Gil.
Livro ilumina cenas-chave
Mais que uma pesquisa exaustiva sobre cada uma das linhas, o livro ilumina certas cenas e dá a elas novos significados. O fato de Gil ter feito "Domingo no parque" numa madrugada, tendo Dorival Caymmi na cabeça e a filha dele, Nana, então sua mulher, na cama - o desejo de fazer uma nova canção baiana, num gesto de doce subversão contra o pai de sua companheira. Ou o "não" que o Quarteto Novo dá ao convite de arranjar a mesma "Domingo no parque" ao ouvir Gil citar Beatles como referência - um "não" que o autor vê como um marco para uma música instrumental que se desenvolveria a partir dali sem tomar conhecimento do pop ou do tropicalismo.

- Procuro jogar luz sobre fragmentos como a lista de músicas do disco de Elis de 1966, que trazia toda a geração que seria a MPB e que encerra com a única música que restava à cantora depois de apresentar aqueles nomes: "Carinhoso", a canção brasileira por excelência. Não é um livro de histórias novas, apesar de algumas serem, como a de Paulo César Pinheiro contando que viu Gil vaiando Chico Buarque (Caetano afirma que Gil defendia Chico) no Festival da Record de 1968 e pensou então em abandonar a música.
A tensão entre Chico e os tropicalistas está no livro, assim como a relação de espelhamento entre ele e Caetano - o segundo "perseguindo" o primeiro. "Alegria, alegria" e "A banda", "Você não entende nada" e "Com açúcar, com afeto", "Paratodos" e "Pra ninguém"...
- Chico é a perfeição - define Sukman. - O que Caetano faz com o tropicalismo é empreender uma mudança de gosto a favor dele. Se os padrões de qualidade se mantivessem em Chico, Dori, Jobim, Tamba Trio, como eram, ele não se tornaria tão importante. Mas é uma visão generosa também, pois traz o Brasil excluído, da cultura de massa, do brega. O projeto maior do tropicalismo, porém, era a atualização da música brasileira frente ao que se praticava no mundo. Sua realização maior, portanto, se deu no Rock in Rio de 1985, quando a música brasileira se mostra em pé de igualdade com a cena internacional.
fonte: oglobo
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