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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Palestra durante a lll Conferência Estadual.

O COMPROMISSO DE TODOS POR UM ENVELHECIMENTO DIGNO NO BRASIL
 KARLA GIACOMIN, PRESIDENTE DO CNDI (GESTÃO 2010-2012)
Usualmente, eu preferiria falar de improviso, mas considerando a importância da III CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA, preferi redigir um discurso a ser lido em cada uma das conferências estaduais. Entendo este momento da III Conferência como um manifesto público do desejo da população brasileira de ver respeitado o seu direito de viver e de envelhecer com dignidade. Esse direito que parece óbvio ainda não está garantido para todos os brasileiros de todas as idades. Os direitos no Brasil costumam diminuir à medida que a cor da pele escurece, que a idade aumenta, que a renda diminui, que caminhamos em direção à periferia das cidades ou chegamos próximos de florestas e reservas. Este país nosso consegue ser ao mesmo tempo tão grande e tão desigual... Neste ponto, cabe um retorno à história para entendermos porque especialmente o direito da pessoa idosa tem sido tão pouco respeitado. Não pretendo ir muito longe. Retomo-a a partir da publicação da Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã.
Diferentemente do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos Conselhos de Defesa da Criança e do Adolescente que acontecem já em 1990, o Conselho Nacional do Idoso foi criado pela Política Nacional do Idoso em 1994, mas somente será constituído em 2002, seguindo-se pelo Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, ou seja 15 anos após a Constituição. O Estatuto existe a partir da luta e perseverança da queridíssima e saudosa Nara Costa Rodrigues e do Senador Paulo Paim, bem como de milhares de idosos de todo o país, que se reuniram de ponta a ponta do país para debater e exigir seus direitos. Porém ainda nos falta efetivar ambos: nossa Política e o nosso Estatuto. O artigo 230 da Constituição Federal estabelece que a Família, o Estado e a Sociedade serão responsáveis pelo amparo aos idosos, mas não define onde começa nem onde termina o papel de cada um. A Constituição é tímida ao tocar nos direitos das pessoas idosa e, certamente, reflete a mesma timidez da sociedade brasileira em se mobilizar para defender a velhice como direito natural da pessoa humana. Quando a velhice é respeitada, a sociedade demonstra que um direito fundamental, o que prevalece sobre todos os demais, o direito à vida está sendo respeitado. O Brasil também é signatário de pactos internacionais em favor do Envelhecimento, como o Pacto de Madri, que reconhece o envelhecimento da população como a maior conquista da humanidade e que deve ser entendido não como um problema, mas como um marco positivo. Infelizmente, parece que algumas notícias demoram a chegar ou são as pessoas que apresentam uma certa dificuldade para escutar...
Assim, políticas direcionadas à população idosa em nosso país também são recentes e mudam de mãos antes de se tornarem efetivas. Isso nos obriga a repetir o mito grego de Sísifo: todos os dias somos condenados a empurrar uma grande pedra ladeira acima e ao fim do dia a vemos rolar novamente ao ponto de partida. E recomeçamos no dia seguinte, no governo seguinte, e contamos de novo para o novo gestor a mesma história: “Olha, o Brasil está envelhecendo. Em quinze anos seremos a quinta ou sexta população idosa do mundo. Em trinta, de cada quatro brasileiros, um será idoso...” Além disso, existe uma cultura nacional de valorização da juventude que reforça comportamentos de negação da velhice, em que ser velho ainda significa estar doente, dependente e excluído da vida profissional, familiar, cidadã. Esse fenômeno é confirmado quando se analisa a desimportância com que tem sido tratado o processo de envelhecimento, o qual entra governo, sai governo, não é incluído de fato na pauta das prioridades das políticas públicas nem se materializa no orçamento e financiamento que lhe são destinados. Assim, a Política Nacional do Idoso nasce sob a coordenação do Ministério da Previdência e Assistência Social, mas o desmembramento daquele Ministério em dois, um da Previdência Social e outro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome coloca a política do idoso sob a coordenação deste último. Em 2009, a coordenação da Política Nacional do Idoso muda de mãos e é repassada ao Ministério da Justiça, junto à Secretaria Especial de Direitos Humanos, hoje Secretaria de Direitos Humanos, órgão diretamente ligado à Presidência da República.
Esta mudança, justificada pela abrangência dos direitos da pessoa idosa que ultrapassam uma única política, não vem acompanhada da estruturação necessária para que a Secretaria possa agir a contento na defesa dos direitos dos idosos. Por exemplo, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso ao analisar o organograma e o regimento interno da Secretaria constata que este dispositivo legal de 2010 não inclui, entre as competências daquele órgão, coordenar a Política Nacional do Idoso, pois isso não está previsto na lei de criação da Secretaria de Direitos Humanos. A Secretaria tem a vantagem de estar junto à Presidência e a desvantagem de não ter a capilaridade necessária para chegar mais perto da população idosa. Na estrutura organizacional da Secretaria de Direitos Humanos, há a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Secretaria Nacional da Pessoa com Deficiência, mas não há a Secretaria Nacional da Pessoa Idosa. Esta inadequação legal somada à falta de tradição da defesa de direitos humanos no tratamento das questões relativas ao envelhecimento e à sua estrutura insuficiente para responder aos atuais 21 milhões de idosos dificultam sobremaneira a efetivação da Política Nacional do Idoso. Tudo isso para apontar as dificuldades do lado do gestor da Política. E do lado de quem utiliza e precisa da política? O envelhecimento não interessa apenas aos idosos. O envelhecimento é sim um direito que possui uma dimensão transversal que perpassa cada uma das políticas de direitos sociais, como saúde, trabalho, previdência e assistência social, transporte, habitação, justiça, entre outras, mas também é vivenciado na verticalidade. Para envelhecer bem é preciso ter tido direito a uma boa gestação, a um parto em boas condições, a uma infância protegida e com acesso a
estímulos e aprendizagem, a uma juventude com oportunidades de formação e de ingresso no trabalho, a uma vida adulta com recursos profissionais, cobertura previdenciária e possibilidade de constituição de família, de ter filhos e netos, para chegar à fase da velhice de forma ativa e saudável e usufruir de tudo o que foi conquistado ao longo da vida. Nas últimas décadas o Brasil tem subido posições no ranking que avalia o desenvolvimento econômico, mas ainda pouco em termos de desenvolvimento humano. Por isso o tema dessa Conferência pretende abranger o direito a uma velhice com dignidade. Para alertar gestores, legisladores, juízes, promotores, defensores a apoiarem todas as lutas que resultem em políticas que garantam o direito a cada brasileiro de envelhecer com dignidade. Pois, a noção de “dignidade” pode envolver conceitos como moral, honra, decência, decoro, brio, amor-próprio, etc. Ser digno significa ser merecedor, ser respeitável. Ser digno significa amar o que sou, o que me tornei, o que fui capaz de fazer com o que a vida fez comigo. Aceitar e acolher o que não depende de mim e enfrentar com coragem as minhas dificuldades. Significa manter e ver garantida a manutenção de uma condição tal, perante si mesmo e a sociedade, que não enseje vergonha ou constrangimento. Pelo contrário, seja motivo de orgulho e admiração. Quando se desrespeitam os direitos humanos, formalmente reconhecidos em quase todas as constituições do mundo, assiste-se à negação da dignidade. Um ser sem significado não merece respeito, no máximo indiferença, pois ele é banal e banal é a violência exercida sobre ele. Por isso a sociedade se cala e o Estado se omite diante de tantas formas e disfarces da violência contra a pessoa idosa.
Mas, acreditamos que ainda seja possível envelhecer com ternura, sem endurecer, sem desistir de um projeto de paz e de amor, e é para isso que estamos aqui, de novo, de ponta a ponta do Brasil, debatendo direitos que são nossos, que são de todos. Para sair dessa apatia em que cada um culpa o outro e nenhum se mexe, se faz necessário o compromisso de todos: órgãos públicos e sociedade; todas as políticas; todas as gerações. Todo direito que conquistamos para a pessoa idosa se reverte em benefício para todas as outras etapas da vida. Este é o pacto que precisamos fazer: que essa conferência seja propositiva e defina as prioridades que devem nortear as políticas e os movimentos sociais. Pois ficará velho o branco, o negro, o índio, o cigano, o homem do campo e o da cidade, as mulheres, os gays, os religiosos, os ateus, todos enfim que tiverem a graça de permanecer vivos. Queremos mais. Queremos permanecer vivos, mas não apenas durar. Queremos poder envelhecer com dignidade e isso é possível quando celebrarmos a vida. Quando acreditarmos na humanidade que está presente em cada um de nós. Quando nos libertarmos do falso moralismo: “o que os outros vão pensar”? Quando nos dispusermos a cumprir a nossa parte no compromisso. A nossa parte é: estar presente, denunciar todas as formas de violência, angariar parcerias, articular políticas, integrar gestores, dialogar com a população idosa e não idosa, aprender com os mais velhos a resistir e a cooperar. Para resgatarmos a dignidade da nossa sociedade é importante criar oportunidades de convivência entre as gerações, para proporcionar a religação dos saberes e a experiência dos múltiplos sabores que a vida nos oferece. Resgatamos a dignidade quando exercemos nosso direito e dever de participar do mundo de hoje, sem abrir mão de valores éticos e nos julgando cidadãos dignos de respeito.
É para isto que estamos aqui. Esta é amaior finalidade da Conferência: resgatar o senso de dignidade para a vida de 21 milhões de brasileiros, que brevemente serão 3º, 40, 50 milhões. Termos a garantia de que o que fazemos aqui, hoje, se somará ao que os outros vinte e seis Estados farão e servirá de base para a III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Esperamos vocês em Brasília, de 23 a 25 de novembro deste ano. Queremos desde já dizer: obrigada pela sua presença e pelo seu tempo dedicado ao bem público e, em especial, ao bem da pessoa idosa. Sejam benvindos. Sejam benvindos. O Conselho Nacional dos Direitos do Idoso se orgulha de poder servi-los e deseja a todos sucesso na Conferência Estadual e Nacional.

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